A AMIZADE

Autor: González Pecotche

Amizade! Ó sublime palavra, ante cuja invocação se desvanecem as sombras que isolam o espírito humano do diáfano esplendor que ilumina os afetos mais puros e santifica o sentimento que, pela força do vínculo, une as vidas na plenitude da confiança, do respeito e da indulgência mútua.

Excelsa expressão, que reafirma na consciência a maravilhosa concepção do princípio substancial que alenta nossa existência.

O homem que não rendeu culto à amizade poderá ter vivido como um ente bruto, mas nunca como um ser humano.

SENTIMENTO NOBRE QUE ALIMENTA A PAZ

A amizade, tal como é no fundo e em sua singeleza, equivale ao afeto que, nascendo no coração os seres humanos, emancipa-se de toda mesquinhez e interesse, enaltecendo e enobrecendo o pensamento e o sentimento dos homens.

Não se poderia conceber a amizade se ela não fosse presidida pelo ternário simpatia-confiança-respeito, indispensável para nutrir o sentir que a constitui. Se admitimos que o ódio é movido por espíritos em discórdia que as forças do mal aproveitam para ampliar sua abominação, com maior convicção ainda deveremos admitir que a amizade, encarnando o espírito de solidariedade pela compreensão do afeto, pode mover forças muito mais potentes que as do mal, pois ela é o grande ponto de apoio sobre o qual se concentram as maiores esperanças do mundo.

É pelo signo da amizade que se unem os homens, os povos e as raças, e é sob seus auspícios que há de haver paz na terra.

VALOR SUPERIOR QUE UNE OS HOMENS

Se algo existe na natureza humana que demonstre de forma mais palpável a previsão do Criador Supremo ao lhe infundir seu hálito de vida é, sem dúvida alguma, a propensão de todo ser racional a estender seu afeto ao semelhante, já que nisto, poderíamos dizer, se apoia a manutenção ou perpetuação da espécie humana. A força que a amizade infunde reciprocamente nos seres sustenta a vida através de todas as adversidades e a perpetua, apesar dos cataclismos que o mundo já teve de suportar.

A amizade entre os homens consegue realizar o que nenhuma outra coisa consegue, por maior que seja. Não seria ousado afirmar que ela é um dos poucos valores de essência superior que ainda restam no homem, que o elevam e dignificam, tornando-o generoso e humanitário.

Quando este sublime sentimento deixa de existir como alavanca de entendimento, a humanidade despenca pela ladeira da destruição. É o que estamos vendo hoje no Velho Mundo.[1] A cólera com frequência costuma tomar seu lugar, se ela não for arraigada profundamente na alma do ser, consagrando-se como parte incorruptível de sua própria vida.

Quem profana uma amizade lealmente forjada no crisol das múltiplas e mútuas provas que levam o selo da sinceridade, comete um dos maiores pecados que mais cedo ou mais tarde haverá de purgar com merecidos castigos.

Não se violam impunemente os preceitos naturais que tornam possível a convivência humana. Toda amizade sincera é presidida pelo próprio Deus; quem atraiçoa essa amizade comete, em consequência, uma inqualificável ofensa ao Supremo Juiz de nossos atos.

A EDIFICAÇÃO CONSCIENTE DA AMIZADE

Embora seja certo que nem todos podem inspirar e ainda professar uma verdadeira amizade, por carecerem de sentimentos adequados que não desvirtuem o significado que substancia seu inegável mérito, ou por impedi-lo, geralmente, características mentais ou psicológicas adversas, é de todo ponto de vista admissível que possam, superando suas condições pessoais, alcançar a graça de uma amizade ou de muitas. Os néscios, sinônimo de insensatos, os hipócritas, os vaidosos e os cínicos só criam inimizades.

Mas uma coisa que não sabem os que destroem francas e nobres amizades é que a corrente de afeto altruísta bruscamente cortada por quem defrauda seu semelhante encontra sempre sólidos pontos de apoio no coração dos demais, daqueles que mais próximos estiveram dessa amizade.

Em geral, os homens esquecem em que circunstâncias nasceu esse sentimento e como foi aumentando gradualmente, até os limites do maior apreço. Daí também que apareça, na alma dos que o truncam sem justificativa alguma, o tão desprezível estigma da ingratidão.

Fácil será deduzir, pelo exposto, que a humanidade só deixará de existir como tal se a amizade se extinguir por completo no coração dos homens.

[1] * N.T.: Este artigo foi publicado em fevereiro de 1941.

(Fonte: Coletânea da Revista Logosofia, tomo 1 – Publicado também na Revista Logosofia nº 20 – www.logosofia.org.br).

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